Vítima de racismo, Celsinho avisa que não deixará ofensas impunes

bailey aschimdt
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Meio-campo do Londrina, Celso Luís Honorato Júnior, mais conhecido como Celsinho, começou no banco o jogo de sábado, 28, entre sua equipe e o Brusque, em Santa Catarina, pela Série B do Campeonato Brasileiro. No fim do primeiro tempo, ele e os companheiros de reserva foram para a beira do gramado a fim de fazer exercícios e se aquecer. Foi quando começaram a escutar gritos que vinham da arquibancada.

Celsinho diz que o grupo era estranhamente numeroso para uma partida fechada, que deveria observar os protocolos sanitários e de distanciamento em tempos de pandemia. No meio do bate-boca entre os torcedores, diz o jogador, um senhor sentado nos últimos andares se destaca: “Primeiro, ele diz: ‘Vai cortar esse cabelo!’. Depois, continua me chamando de ‘cachopa [colmeia] de abelha’”.

O jogador e seus colegas comunicaram o quarto árbitro, que relatou o ocorrido na súmula. Na segunda-feira, o Brusque emitiu um comunicado desastroso, praticamente acusando Celsinho de se aproveitar da situação. Com a repercussão negativa, o clube voltou a se manifestar, desta vez por meio de seu presidente, Danilo Rezini, que pede desculpas pela nota anterior e pelo ocorrido.

No entanto, Celsinho não está satisfeito. O meia e o clube devem entrar com ações nas esferas criminal, cível e desportiva sobre o que ocorreu na partida contra o Brusque. A Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) está analisando como será feita a denúncia.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a VEJA pelo jogador de 33 anos, revelado pela Portuguesa e com passagens por Fortaleza, Figueirense, Paysandu e Santa Cruz, entre outros.

O que você sentiu na hora em que ocorreram os xingamentos e qual foi a sua reação?

Logo depois do xingamento, eu e meus companheiros nos sentimos indignados e revoltados. E com uma sensação de desespero, porque se trata de um crime. De imediato, fui até o quarto árbitro para relatar o que aconteceu. Afinal, é meu ambiente de trabalho. Desde que me conheço por gente, eu entrego minha vida para isso, é o que eu amo fazer e ser insultado assim é revoltante. Porque desqualifica e coloca a gente em uma posição muito desconfortável.

Foi a primeira vez que isso aconteceu contigo?

Não. Em menos de dois meses, essa é a terceira vez. Tivemos um episódio no jogo entre Goiás e Londrina, em Goiânia. Depois, novamente, no jogo entre Londrina e Remo, aqui em Londrina. E, esta vez, no jogo entre Brusque e Londrina, em Brusque, por uma pessoa credenciada. Por incrível que pareça, nas duas primeiras vezes, foram profissionais de rádio que cometeram injúrias raciais.

Você jogou na Rússia, em Portugal e na Romênia? Isso nunca aconteceu lá fora?

Quando fui pro Lokomotiv, da Rússia, eu era muito jovem. A minha maior preocupação, e da minha família também, era justamente esse lado racial, pela cultura do país e tudo mais. Mas fui surpreendido de uma forma absurda. Eles me acolheram muito bem, nunca tive um problema de racismo. Ao contrário, foi uma situação muito agradável. Dos países onde eu joguei, a Rússia foi o melhor, em todos os sentidos.

E na Europa?

Na Europa também. Quando fui para Portugal, era mais ou menos a mesma cultura daqui, a mesma língua, muitos brasileiros. Não tinha preconceito nenhum, nem por causa do cabelo, da pele ou da religião. O que tinha era um certo ciúme porque nós somos brasileiros. Foi muito prazeroso e proveitoso para mim, também.

Falando em Rússia, foi lá que você teria feito uma faculdade de medicina. Como é essa história?

Na verdade, iniciei a faculdade a pedido do clube. Eles fizeram essa proposta para que eu tivesse mais facilidade para poder atuar pelo clube. Então, como me deram essa oportunidade, resolvi aproveitar – eu precisava aprender a língua mesmo e conhecer a cultura deles. O problema é que a competições eram muito intensas e os jogos constantes. Então, não conseguia frequentar com assiduidade. Depois de quatro ou cinco meses, eles me deram o diploma. Mas em momento algum me passou pela cabeça exercer.

Como você vê a situação dos negros no Brasil e essa questão racial?

Não vejo uma melhora. Os crimes acontecem e eles continuam acontecendo. Os preconceituosos e racistas estão por aí. Pode ser discriminação de cor, sexo, religião, por qualquer tipo. Ainda existe. Não podemos tapar o sol com a peneira. O que a gente não pode é tapar o sol com a peneira. O que eu vejo de melhora é que as pessoas estão se posicionando mais. Elas não estão mais com medo, estão colocando a cara pra bater. As consequências é que não são adequadas e justas para o nosso país. Esses criminosos só vão ter noção de que o que eles fazem é gravíssimo a partir do momento em que tomarem uma punição severa. É por isso que a minha postura vai ser sempre essa: vou até o fim.

Celsinho, do Londrina, após o jogo com o Brusque, em Santa Catarina –TV/Reprodução

Com relação ao Brusque, a primeira nota e a retratação do presidente, qual a sua reação?

A primeira nota que eles soltaram é absurda. Eles tinham tudo ali para se retratar de uma forma positiva, de uma forma que todos nós esperávamos. Eles colocaram como se eu tivesse me aproveitado da situação. Como se eu tivesse entrado lá e pedir para ser xingado. Para quê? Para ficar aparecendo de meia em meia hora nos meios de comunicação e na internet? Por isso, eles soltaram a segunda nota. Jogadores do próprio clube que se manifestaram a meu favor. A segunda nota parece que foi uma obrigação, porque a repercussão foi muito negativa.

Como você viu a reação de seus companheiros e apoiadores?

Todos me abraçaram de uma forma grandiosa. É isso que me dá forças, que me deixa feliz. Ver que ao meu lado tem gente que corre comigo, que me apoia em todos os momentos. Tenho uma família, dois filhos. Um deles tem o cabelo parecido com o meu. São pessoas negras. Essas coisas não afetam só a mim. Afetam o meu lar, a minha família e tudo mais. Então, antes de tudo, tenho de colocar na cabeça deles que a minha cor, o meu cabelo e a minha raça não têm nada de errado. Que eles não se sintam mal por isso.

O que pretende fazer daqui para frente na carreira?

Ainda pretendo continuar com o futebol. Enquanto tiver forças, enquanto o meu corpo aguentar e as portas dos clubes estiverem abertas para mim. Eu sempre quis ser jogador. Graças a Deus, eu tenho uma carreira profissional desde os 15 anos. E pretendo continuar nela até o limite.

Continua no Londrina?

Meu contrato é até o fim da Série B. Até 31 de novembro desse ano. O primeiro turno terminou faz pouco tempo. A sequência no clube ou não só vamos saber mais pra frente. por enquanto, nem estou pensando nisso. A equipe está numa situação delicada na competição, estamos na zona de rebaixamento. Meu único pensamento, agora, é tirar o Londrina desta situação. e, depois, pensar no meu futuro.

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